terça-feira, 23 de setembro de 2014

Vamos colocar o pingo no "i"

Eu muito tenho visto em redes sociais das mais diversas e recebido por diversos mensageiros instantâneos postagens e mensagens a respeito de indignações com o famoso "auxílio reclusão", um benefício concedido pelo INSS há mais de 50 anos.

Muito se reclama que os apenados vivem nos institutos penitenciários às custas da sociedade, que "têm vida boa enquanto ralamos aqui do lado de fora", fora as frases e termos pejorativos que aqui não cabe registrar.

Entendamos como o benefício funciona. Segundo o portal do INSS, o Auxílio Reclusão "é um benefício legalmente devido aos dependentes de trabalhadores que contribuem para a Previdência Social. Ele é pago enquanto o segurado estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto e não receba qualquer remuneração da empresa para a qual trabalha, nem auxílio doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço. Dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou em regime aberto perdem o direito de receber o benefício."

Comecemos a interpretação daí:
1. O benefício tem previsão legal. Certo. Tá lá na Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3.807/1960, lei esta recepcionada pela Constituição Federal vigente).

2. O apenado teve que contribuir para dar aos seus dependentes esse direito. OU SEJA, sua família não recebe nada "de graça", tampouco do bolso dos outros, como se compreende massivamente (Pra quem não sabe, as pessoas que trabalham de carteira assinada têm retidos de seus vencimentos mensais 11% para o INSS).

3. Os segurados só recebem o benefício se o apenado estiver sob regime fechado ou semi-aberto. Em casos de fuga ou progressão da pena para regime aberto, o direito acaba. Além do mais, como estagiário do INSS que já fui, posso afirmar categoricamente que ainda existem outros requisitos a serem cumpridos.

Do exposto, fica veemente claro que o benefício não é "dado por dar". Daí há de se ter cuidado ao trazer à tona discussão sobre direitos de outrem, principalmente os que garantem a dignidade do indivíduo e sua sobrevivência. Sobre o fato de que o criminoso deve pagar pelo crime cometido não há o que se discutir, mas deve a família ser marginalizada por um erro que não foi cometido por ela? Será que a mãe e seus filhos se sentem realmente bem com a falha do patriarca a ponto de "ganhar dinheiro fácil"? 

A ideia principal dos ataques ao Auxílio Reclusão é de que ele deveria ser instado a quem foi vítima do crime, e não à família do criminoso. Certo, isso a meu ver não esbarra na inconstitucionalidade, dependendo do dano causado pelo agente. Mas e aí? Tirar de um para dar ao outro? Isso configura a mera inversão de uma sentença desigual. A perspectiva deve ser considerada como um todo, e não como caráter de julgamento a quem errou, de querer massacrar sua vida. Afinal de contas, a finalidade do sistema penitenciário brasileiro não é ressocializar o apenado, trazê-lo ao seio social? Então por que obrigá-lo a um fardo maior do que pagar pelo seu ato? Isso já não é de uma covardia muito grande?

Soa-me muito interessante o fato das pessoas fundamentarem tão bem seus argumentos esdrúxulos contra criminosos, enquanto elas próprias elegem criminosos piores ainda para lhes representar. Estes, sim, que tomam-lhe todo o dinheiro conquistado com suor a cada mês, deveriam ter benefícios a menos, do que uma família que sequer tem culpa das inconsequências de quem comete um crime. Sabem gritar aos ventos que "político é tudo ladrão", mas não sabem escolher o certo. É um paradoxo que eu sinceramente nunca vou entender.